Na escala das eras geológicas, milhares de milhões de anos trouxeram-nos até aqui, a esta notícia. Durante a quase totalidade desse tempo não existiram humanos. A era atual, em que vivemos, o Cenozoico (do grego "vida nova"), começou há cerca de 65 milhões de anos e o Holoceno, época em que todos os seres humanos da história existiram, iniciou-se há meros 12.000 anos, com o final da última era glacial — pouco menos do que um rapidíssimo piscar de olhos em termos cósmicos.
A Era dos Mamíferos, como também é conhecida, evoluiu de tal forma, e de modo tão acelerado, que alguns estudiosos lhe chamam já Antropoceno, ou Homogenoceno, ou seja, a Idade do Homem. Somos o animal dominante no planeta, com capacidade de influenciar todos os ecossistemas existentes ou em extinção. A nossa escalada até ao topo da pirâmide evolutiva subjugou fauna e flora, como nunca antes tinha acontecido. E daqui, vamos para onde? Deixando o quê para trás? E se não sobrevivermos, como espécie, até lá? Por mais que o ferro e o aço que se dobrem à vontade humana, por dentro continuamos a ser apenas um conjunto frágil de carne e ossos. E se a nossa evolução exponencial "desde que anfíbios viemos a uma praia", como escreveu Jorge de Sena, for exatamente o que nos condena à extinção?
As respostas, não podendo nunca ser definitivas, foram ensaiadas no #23.ART - Encontro Internacional de Arte e Tecnologia e Exposição, que a Escola Superior de Educação (ESE) do Politécnico do Porto (P.PORTO) recebeu entre os dias 5 e 7 de dezembro, sob o mote EcoTecnoCeno. Com organização da Unidade Técnico-Científica (UTC) de Artes Visuais e Tecnologias Artísticas (AVTA) da ESE, estendendo eventos anteriormente realizados no Brasil pelo programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o Museu Nacional da República.
O programa incluiu palestras principais, sessões paralelas, palestras de artistas e momentos de partilha pedagógica, workshops, uma exposição e momentos de networking. Os principais tópicos em discussão foram o Antropoceno. como não podia deixar de ser, mas também o meio ambiente, a arte, a inteligência artifical, o ecocentrismo, a sonologia, a arte computacional, a bioarte, o património cultural e as questões de género, entre muitos outros.
A principal apresentação no primeiro dia esteve a cargo de Kathy High. A artista interdisciplinar, curadora e académica que trabalha em bioarte, videoarte e performance art, colabora com cientistas e ativistas, explorando sistemas vivos, a sensibilidade animal, ecologias queer e os dilemas éticos da biotecnologia e das indústrias médicas. Produz filmes, performances e obras conceptuais sobre questões de género e tecnologia, e dedica-se a áreas como ciência biológica, estudos de resíduos e justiça ambiental. É professora no departamento de Artes do Rensselaer Polytechnic Institute (RPI), em Nova Iorque, e diretora do BioArt and Technology Laboratory no Centro de Biotecnologia e Estudos Interdisciplinares do RPI. É também coordenadora do projeto de ciência comunitária NATURE Lab com o Sanctuary for Independent Media, uma organização comunitária sem fins lucrativos que co-fundou. Está comprometida com abordagens queer e feministas à ciência DIY, justiça ambiental e ação colaborativa.
No segundo dia, o maior destaque foi para apresentação de Dave Payling. Artista audiovisual e professor associado, residente em Staffordshire, Reino Unido, a sua pesquisa formativa centrou-se na sonificação e na exibição auditiva, e a sua composição "Listen (Awakening)" foi apresentada na Sydney Opera House como parte da conferência International Community for Auditory Display (ICAD), em 2004. O seu trabalho mais recente foca-se na composição para Música Visual Eletrónica, fundindo animação digital com música eletrónica. As composições de Payling foram apresentadas no Soundings Festival, no MANTIS Festival, no flEXiff Experimental Film Festival, no Seeing Sound, no NoiseFloor e na Understanding Visual Music Conference. Produz também música eletrónica mais mainstream e é editor da secção From the Floor para a Dancecult: Journal of Electronic Dance Music Culture. O evento contou ainda com a apresentação pública da performance Biphase, de Dave Payling e James Dooley.
Professora-adjunta da ESE, artista plástica e uma das presidentes do comité organizador do #23.ART, Maria Manuela Lopes assumiu a natureza provocadora do tema da conferência, mas graças à "abrangência e ambiguidade" do termo EcoTecnoCeno, cunhado de propósito para o evento, houve a "participação de inúmeros países" e a necessidade de "estender a variedade do que fazíamos" [em edições anteriores]. Para tal, abriram-se workshops e, sobretudo, artist talks como mostras de práticas artísticas pedagógicas. "A abrangência de temáticas é preciso, por vezes, ser explicada, partilhar como as obras são feitas para desmistificar é um processo pedagógico, estes eventos têm um pendor educativo, não servem só para partilhar entre pares. Para nós, esse lado formativo é fundamental."
Como Yuval Harari afirma, o nosso poder humano nunca resulta da iniciativa individual, mas da cooperação entre muitos e este evento, com a magnitude que alcançou, só foi possível pelo esforço coletivo dos docentes de AVTA apoiados por alguns colegas de outras escolas e em conjugação com as restantes equipas técnicas da ESE e ainda pela ajuda do comité científico e artístico.
Ao encontro #23.ART juntou-se ainda a exposição EmMeio#16, que aconteceu na Galeria Elevador da ESE. A Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD) e a Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) colaboraram na organização deste evento, que foi acolhido pelo inED - Centro de Investigação em Educação, da ESE, em parceria com o Instituto de Investigação em Design Media e Cultura (ID+), da Universidade de Aveiro.
O Ecotecnoceno é a era ou período em que a humanidade está a procurar soluções tecnológicas ecológicas para enfrentar os desafios ambientais e sociais por meio da poética artística.